19 novembro 2008

O Peixe Venenoso



No Japão, um dos pratos que o povo mais se derrete é o Baiacu. Desde o sashimi, até filés cozidos em Nabê. Sua carne branquinha quase transparente, tem uma textura no ponto, macio porém firme. Derrete no boca e sua finalização é perfeita para degustar mais fatias. Outras partes usadas agora para Nabemonos, a textura muda como se fosse de frango que desfia a medida que mastiga. A carne absorve bem o molho do dashi, que deixa bem mais suculenta. Osuimono, a sopa de baiacu também é divino. O aroma da alga Wakame e cebolinhas brancas fatiadas casam tão bem com a leveza do peixe. Incrivelmente, um mesmo peixe pode apresentar vários sabores.



Porém atrás de tanto sabor e sofisticação, um poderoso veneno se esconde em todas as partes do corpo, principalmente no sangue. O baiacu é imune ao composto Tetrodotoxin, mas se um ser humano consumir uma pequena quantidade, dependendo do organismo, pode deixar a língua tremula, mas em muitos casos, uma intoxicação aguda ou até à morte.

Para isso, todos os Itamaes que manipularem o peixe, deverão fazer um exame realizados em todas as províncias, e aqueles que passarem tanto no exame teórico, quanto no prático, poderão trabalhar com o peixe. Fora isso, ainda existem certificações de manuseio, para aqueles que pescam, conservam e comercializam. Sem nenhum desses certificados, o governo provincial pode cassar a licença do estabelecimento.

O exame prático consiste em depenar todo o peixe separando todos os órgãos, identificar e o examinador, fará a análise se não tem nenhum vestígio de veneno na carne onde será consumido.

Depois de tudo isso, receberá das mãos do instrutor com o aval do governador da província, o certificado.



Como todo japonês é metódico, além de saber limpar o peixe, preparar o prato e servir, o estabelecimento tem a responsabilidade de desfazer dos restos. Não basta jogar no lixo e o caminhão recolher. Terá de providenciar uma lata inoxidável com tampa e cadeado, e deverá ser recolhido diretamente pelo funcionário do caminhão. Se caso deixar os restos do baicacu no mesmo saco de lixo com outros detritos, e vamos que um cachorro rasgue o saco, ingere e morra, o restaurante é autuado e as portas lacradas até a segunda ordem.

Hoje, na região de Saga, sul do Japão, já são criados baiacus em cativeiro alterados geneticamente, sem o veneno. Mas autoridades sanitárias, ainda não podem comprovar que os peixes apresentem 0% de Tretodotoxin. Por isso continua o velho ritual até que consiga esse feito.

Para você ver, que o peixe além de ser perigoso com um veneno mortal, tem todo um investimento por trás da cozinha. Não é a toa que os pratos de baiacu é caro.

01 novembro 2008

Um bom Missoshiru, Um bom Restaurante


Esses dias um cliente fez a seguinte pergunta. "Como identificar um bom restaurante". Com tantas ofertas de restaurantes japoneses e principalmente em São Paulo, é duro saber qual é o melhor. Vamos esclarecer que um bom restaurante japonês é aquele que segue as tradições. Qualquer traço fora do eixo oriental, traçamos como Japonês Contemporâneo. Então eu uma dica muito simples, que na verdade todo japonês sabe detectar.

Um bom restaurante, é onde serve um bom Missoshiru e uma boa tigela de arroz. Quem diz isso, são chefs de cozinhas japonesas no Japão e os idosos.

Um respeitoso Itamae (Chef de Cozinha Japonês) me disse uma vez em Fukuoka.


"Aqui no Japão, as pessoas se preocupam em buscar os melhores peixes, as melhores carnes, os melhores legumes e os melhores ovos. Às vezes mandam importar matérias-primas que não se consegue aqui. Querem mostrar talento inventando coisas que fica mais bonito numa foto que na boca. E muitos esquecem do velho missoshiru. Um bom restaurante, tem que oferecer um bom Missoshiru!!"


Depois me levou para um restaurante que mais parecia uma casa prestes demolir. Mandou que entrasse e sentamos no balcão. Aliás só tinha o balcão para umas 20 pessoas. Não tinha mesas e nem garçons. Somente um casal de velhinhos trabalhando freneticamente. O cardápio ficava colado na parede e listados os Teishokus. O Chef me pediu para escolher o que eu quisesse. Então pedi um Ajihurai Teishoku (Carapau à milanesa). A esposa grita ao marido, que sem responder e muitos menos olhar para nós, começou a fritar. Com um sauve movimento mas ágil, tacou o filé de carapau no óleo e mandou ver. Sem muita pressa, a fritura ainda submerso no óleo ameaçava subir à superfície. Baixou o fogo fazendo com que o peixe apenas dançasse lá dentro. Quando chega ao ponto, tira do óleo e deixa escorrer numa grelha. Enquanto isso, a esposa pega duas tigelas. Na primeira o arroz. Textura brilhosa com as grãos firmes e uma nuvenzinha calorosa. Na outra missoshiru. De repente sai da cozinha em direção à parede onde num tambor retira um pepino, beringela e cenoura com uma pasta marrom claro. Pelo cheiro era Nuka (pó de arroz resultante do polimento do grão). Essa conserva se chama NUKAZUKÊ. Depois de lavar, corta de fatias generosas e sempre na diagonal e coloca num pratinho com desenhos desbotados. Os mesmo desenhos gastos estavam estampados nas tigelas. O marido pega uma porção de repolho cortados bem fininhos de dentro de uma enorme tigela com água, deixa escorrer e coloca no prato. Em cima 3 filés grande de carapau.


Eu estava morrendo de fome, quando o Chef me interrompeu. Fechei a boca e ele me disse.


"Agora, preste atenção. Está vendo os desenhos desbotados? São milhares de clientes que vieram aqui e levaram um pouco do sabor como lembrança. Viu a textura do arroz e temperatura? O corte do repolho? Sentiu o cheiro de repolho fresco? Agora antes de comer, experimente o missoshiru."


Bom, é ele que está pagando, então vamos obedecer. Nossa, um leve aroma do missô (Pasta de soja fermentada) que aloja nas narinas e agrada o paladar. Depois o sabor do katsuobushi, sem brigar com o caldo de Alga Kombu. A leve acidez das cebolinhas que além de embelezar a sopa não o deixa a pasta de soja ficar muito encorpada. Só que não consegui decifrar um último sabor. Parece que o Chef percebendo a minha fisionomia...


"É o nabo. Tiras de nabo foram cozinhados antes de colocar o Missô. O nabo em contato com a água quente, libera tanta acidez que é evaporado e o legume fica bem doce. A Alga kombu, além de depositar as sua proteínas equilibra o caldo com o sal. O Katsuobushi, faz a ligação para que não quebre o equilíbrio e ainda harmonize com a pasta de soja que vem depois. Agora coma o arroz"


Peguei com hashi uma pequena porção de arroz e comi. Sentia o formato dos grãos no boca e que desmanchavam depois. Sem perder tempo o Chef mandou que tomasse um outro gole da sopa. Prontamente, mais um gole. Nossa, não é que combina tanto.


"Com uma boa sopa e um bom arroz, não precisa de mais nada" Para minha surpresa, o marido não tão simpático no começo disse a frase. "Estou à quase 50 anos fazendo esses mesmo pratos. Nunca mudei nada do meu cardápio. Nunca tirei, nunca adicionei. Muitos que adoravam a minha comida, enjoaram. Mas todos voltaram e não saíram mais. Sabe por quê. Ninguém sobrevive, sem arroz e um bom missoshiru" agora já dando umas risadas "Mas prove o carapau, que acabou de chegar de Aomori. Está muito bom e gorduroso".


Depois desse dia, qualquer restaurante que eu vou, tomo um gole de missoshiru e depois uma porçãozinha de arroz. Se itens básicos da cozinha japonesas não estão bons, imagine o resto.


Então, o seu restaurante japonês favorito tem um bom missoshiru?


DICA DA ADEGA: Para um filé de Carapau à Milanesa (somente o peixe), um bom saquê junmai levemente seco, é uma ótima combinação.